9 de março de 2000

Reflexão sobre Dia Internacional da Mulher

Wanda Marisa Gomes Siqueira
advogada

Iniciando estas reflexões lembremos lições do Mestre Eckhardt: "se te amas, amas a todos os demais como a ti mesmo. Enquanto amares outras pessoas menos do que amas a ti mesmo, não conseguirás realmente amar a ti mesmo, mas se a todos amares igualmente, sem exclusão de ti, amar-lo-ás como uma só pessoa, e essa pessoa é tanto Deus quanto homem. Assim grande e reto é aquele que, amando-se, ama a todos igualmente’.No século passado a Inglaterra se tornou o centro de irradiação do feminismo, especialmente no que se relaciona à igualdade econômica e política entre os sexos. Neste final de século, o centro de irradiação das reivindicações das mulheres foi em Beijing, capital da China, onde estiveram presentes 47 mil pessoas, de 185 países.Vem de longe, portanto, as reivindicações e expectativas das mulheres no que diz respeito à igualdade de direitos.No conturbado período da Revolução Francesa, sociedades femininas encaminharam à Assembléia Constituinte diversas petições solicitando que os direitos concedidos aos cidadãos comuns fossem estendidos às mulheres, paradoxalmente, os mesmos líderes que guilhotinaram a nobreza ordenaram o fechamento das associações femininas.No "Fórum de ONGs", paralelo à "IV Conferência da ONU sobre a Mulher", realizados na China em 1995, os direitos das mulheres foram reconhecidos como inalienáveis dos direitos humanos. A delegação brasileira, calculada em 300 participantes, empenhou-se no sentido de manter as conquistas até aqui obtidas, em especial os avanços da Constituição de 1988.O saldo da Conferência, sem dúvida, foi positivo, eis que representantes do mundo inteiro devem ter compreendido que sem a participação ativa, em todos os níveis, dos 52% da população do planeta, composta por mulheres e meninas, não se atingirá igualdade social, desenvolvimento e paz.Segundo o Relatório do Desenvolvimento Humano de 1995, nenhum país no mundo oferece oportunidade de trabalho e direitos políticos iguais para homens e mulheres – as estatísticas sobre a desigualdade entre os sexos são estarrecedoras.A ONU divulgou recentemente pesquisas sobre a situação das mulheres em todo o mundo e, estudiosos do assunto concluíram que a gravidade dos crimes praticados contra as mulheres (estupro, mutilação sexual, violência social e doméstica, espancamento, venda de mulheres para a prostituição) está relacionada à omissão dos governos – a maioria dos crimes fica impune.No Relatório Azul, da Comissão de Direitos Humanos – Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul verifica-se que a violência contra a mulher aumentou nos últimos anos, em nosso estado. Em 1995, foram assassinadas 343 mulheres. Destes homicídios, 71 ocorreram em Porto Alegre, 70 na Região Metropolitana e 202 no interior do Estado. Em quatro anos 1.025 mulheres foram assassinadas no Rio Grande do Sul.Essa cruel realidade deve ser mudada. Lamentavelmente, quem a mostra pode ter o descrédito de seus contemporâneos, sempre foi assim. Segundo o ensaísta político Tzvetan Todorov "Em toda era e provavelmente em todo o país, a opinião pública é conformista e complacente: não perdoa facilmente aqueles que a perturbam (...) Só os livros sobrevivem aos infortúnios da incompreensão dos contemporâneos".A "Declaração da IV Conferência Mundial" documenta o que poucos querem saber, logo, as mulheres que lá estiveram perturbaram a paz das autoridades do mundo inteiro, que consciente ou inconscientemente não queriam ouvir que mais de 114 milhões de mulheres no mundo sofreram algum tipo de mutilação sexual; e a cada minuto uma mulher contrai vírus daAIDS; que a cada ano, 509 mil mulheres morrem durante a gestação ou após o parto; que nos Estados Unidos, a violência doméstica atinge de dois a quatro milhões de mulheres, que a cada 18 minutos uma mulher é espancada, a cada seis minutos uma mulher é estuprada; que no Paraguai a lei perdoa maridos que matam mulheres flagradas em atos de adultério; que na China um terço das mulheres dizem apanhar dos maridos e que nas zonas rurais são vendidas para casar com desconhecidos; que na Tailância e nas Filipinas, existem 500 mil casos de exploração sexual de crianças e adolescentes; que na Índia, 9 mil mulheres são ssassinadas porque o dote não é suficiente, que no Brasil, 22% dos filhos das trabalhadoras ficam sozinhos no horário de expediente; que, em Lima, no Peru, 90% das mães com idade entre 12 e 16 anos foram estupradas; que nos países islâmicos do Oriente as mulheres enfrentam pressões de grupos armados para que adotem véus sobre os rostos; que no Japão, as mulheres recebem metade do salário que recebem os homens; que em cerca de 100 países não existe representação feminina nos parlamentos; que em média, as mulheres ocupam um décimo das vagas nos parlamentos e ministérios; que na França, 95% das vítimas de violência são mulheres e 51% sofrem agressões dos próprios maridos; que, a cada ano, 20 milhões de mulheres interrompem uma gravidez indesejada, que cerca de 70 mil morrem devido às complicações advindas da intervenção, que nos países em desenvolvimento cerca de 500 mil mulheres morrem durante a gravidez ou parto...Mesmo com resistência, as autoridades do mundo todo ouviram o que aproximadamente 35 mil mulheres tinham a dizer – persiste a dúvida sobre se realmente escutaram o que ouviram. De qualquer sorte, o diagnóstico da discriminação e da violência contra as mulheres está feito, muito bem feito e firmado por representantes de 185 países que lá estiveram presentes. Está, portanto, em marcha, um processo revolucionário para promover o avanço da mulher acerca de seus direitos.Nos últimos 50 anos tem havido, em alguns países, progressos quanto à posição econômica, política, social e científica das mulheres, mas persistem desigualdades que podem, ainda, persistir durante décadas, se o desejo de mudança não ocorrer de dentro para fora, em cada uma das mulheres, sob pena desses reclamos cristalizarem-se como queixas sintomáticas, numa repetição sem acréscimos.É preciso reconhecer que a atual situação da mulher não se deve exclusivamente à prepotência da classe dominante e do machismo tradicional.No processo histórico-sociológico dos movimentos de emancipação da mulher tem havido grandes equívocos, tem havido muita queixa e pouca ação. A psicanálise nos mostra que o sintoma está a serviço das queixas do ser humano que deságuam no coletivo (partidos políticos, sindicatos e associações). O mal estar das mulheres do mundo todo foi manifestada com grande sensibilidade e objetividade na "IV Conferência da ONU sobre a Mulher, resta trabalhar esse mal estar a partir da singularidade do desejo de cada mulher.É fundamental que lembremos que precisaram 70 mil anos para que a mulher conquistasse o direito ao voto e que faz apenas cem anos que ela começou a se auto referenciar, e se deu conta de que existe para si e não para os outros.Foi no divã de Freud que algumas mulheres começaram a libertar-se dos condicionamentos infernizantes do homem e de suas proibições e censuras, dando-se conta de que deveriam cuidar e gostar mais de si.

09 de março de 2000

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